Dados do Trabalho
Título
GENETICA FORENSE NA INVESTIGAÇAO DO ESTUPRO COLETIVO: CONCEITUAÇAO E RELATO DE CASO
Introdução
A violencia sexual, no ambito da medicina legal, é exemplificada pelo estupro, conceito presente no artigo 213 do Código Penal brasileiro. Apresenta altíssima prevalência de vítimas do sexo feminino e da etnia negra. Já o agressor, é predominantemente do sexo masculino e tem relação emocional ou física proxima da vítima. No que tange ao estupro coletivo, uma vez que o crime é praticado por 2 ou mais agressores, sendo considerado hediondo, os réus são obrigados a fornecer subsídios para a identificação do perfil genético, que será armazenado em um banco de dados sigiloso, conforme é utilizado desde 1985 para investigações (JEFEREYS et al, 1985). Dessa forma, o objetivo desse estudo é relatar um caso de estupro coletivo, explicando a importância e a complexidade dos exames de perfil genético realizados no Núcleo de Pesquisa em DNA Forense do Estado do Ceará.
Metodologia/ Discussão
O presente estudo foi realizado no Núcleo de Pesquisa em DNA Forense do Estado do Ceará, com os profissionais da área e o auxílio de estudantes da graduação em Medicina da Universidade de Fortaleza, membros da Liga de Ética Médica e Medicina Legal (LIEME). Tendo como base tal experiência, o estudo enquadra-se na modalidade de relato de caso, advindo de uma demanda do município de Mombaça, interior do Ceará, para esclarecer a natureza dos suspeitos de um crime de estupro coletivo. Foram respeitados todos os princípios da ética em pesquisa com seres humanos, como o sigilo e a preservação da autonomia. Foi realizada também uma revisão narrativa da literatura sobre estupro coletivo, com a aplicação de descritores em ciências da saúde em três bases de dados de livre acesso (PubMed; Capes Periódicos e Google Acadêmico) com aplicação dos descritores em ciências da saúde de “estupro”; “perfil genético”; e “genética forense”
Marco Conceitual/ Fundamentação/ Objetivos
Descrição/Relato de caso: GSL, feminino, vítima de suspeita de estupro coletivo, ocorrido no distrito de Morada Nova, em Mombaça, no interior do Ceará, foi submetida a exame pericial com coleta de amostras de material biológico pelo Núcleo de Pesquisa em DNA Forense da Coordenadorias de Análises Laboratoriais Forenses da Perícia Forense do Estado do Ceará. As amostras a serem analisadas foram divididas em Amostras Questionadas, advindas de swabs vaginais e retais da vítima, e em Amostras Referências, que consistiam em swabs orais coletados tanto da vítima quanto do suspeito CAA. Cabe destacar que nas amostras podem estar presentes outros tipos celulares além dos espermatozoides. Técnica/solução: Para obtenção do DNA genômico, as Amostras Referências foram extraídas empregando-se a resina Chelex® 100, enquanto as Amostras Questionadas foram submetidas a método de extração com o kit DNA IQ® da Promega Corporation e extração orgânica. Por sua vez, para a quantificação, as amostras de DNA foram submetidas a o método da Reação de Cadeia da Polimerase (PCR), utilizando-se o sistema Quantiplex Pro® da Qiagem, com o uso do equipamento de PCR em Tempo Real QuantStudio® 5, da Applied Biosystems. Já a amplificação de DNA foi realizada por meio do método da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), com a utilização dos sistemas Power Plex Fusion 6C® e Power Plex Y23® da Promega Corporation, o que resultou em vinte e quatro loci gênicos e vinte e três haplotípicos. Por fim, com o intuito de revelar os perfis alélicos, os produtos obtidos das etapas anteriores, foram submetidos à corrida eletroforética em capilar no aparelho ABI 3500 Genetic Analyzer da Applied Biosystems. Cabe destacar que, no processo de análise das amostras de material biológico já descritos, podem estar presentes outros tipos celulares, além dos espermatozoides, a exemplo de células epiteliais. De tais amostras, pode-se extrair o DNA das células não espermatozoides, mediante um mecanismo de extração distinto. Outrossim, utilizou-se marcadores moleculares específicos para o cromossomo Y, o qual está presente somente em indivíduos do sexo masculino. Essa estratégia oferece grande contribuição em situações em que pequena quantidade de material masculino é encontrada junto ao material celular da vítima. Como resultado da análise da Fração Não Espermática (FNE) do swab vaginal e do swab retal, obteve-se um perfil genético feminino, compatível em todos os loci analisados, com os da vítima, denotando GSL como produtora das amostras inspecionadas. Já no que concerne à amostra extraída da Fração Espermática (FE) do swab vaginal, identificou-se material genético proveniente de, ao menos, três indivíduos, sendo a vítima um deles, uma vez que seus alelos foram detectados na amostra em questão. Dessa forma, procedeu-se à identificação de todos os possíveis genótipos dos demais contribuintes da mistura, e, a partir disso, realizou-se a comparação desses genótipos com o perfil do suspeito. Com base nessa análise, constatou-se a compatibilidade de CAA com um dos genótipos da amostra, com possibilidade vinte e cinco trilhões de vezes maior do referido suspeito ser um dos contribuinte da mistura em comparação com outro indivíduo indeterminado, segundo os cálculos estatísticos realizados empregando-se o LR MIX 2.1.5. Por sua vez, na amostra oriunda do swab retal, não foi identificado perfil genético oriundo do sexo masculino. Em face disso, utilizou-se marcadores moleculares específicos para o cromossomo Y, conforme já referido, o qual demonstrou a presença de mistura de material genético com contribuição de um perfil haplotípico compatível com o do suspeito, CAA, a partir das amostras de swab vaginal e swab retal da vítima.
Resultados/ Conclusões
No passado, existia uma divergência do conceito de “estupro” com o da atualidade, sendo definido, antigamente, como “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: pena – reclusão, de seis a dez anos”. Desse modo, o estupro apenas era considerado crime caso fosse cometido contra alguém do sexo feminino e realizado por meio da cópula entre pênis e vagina. Em casos de penetração anal, ou qualquer outro ato libidinoso, seria considerado outro delito: o “atentado violento ao pudor”. O “atentado violento ao pudor” também era considerado em casos de homens que sofreram constrangimento através do uso da violência, tanto física quanto psicológica, à prática de qualquer ato libidinoso, também não sendo considerados vítimas de estupro. Porém, com o tempo, ocorreu uma mudança na definição de estupro, sendo conceituado hoje como “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos”. No Brasil, ao longo da última década (2012-2021), diversos foram os casos tanto de mulheres, compondo a maioria, quanto de homens e vulneráveis, como crianças e adolescentes, vítimas de estupros, totalizando 583.156 pessoas segundo os registros policiais (ONU, 2021). Apesar do elevado número, nota-se também uma quantidade considerável de casos subnotificados de vítimas, demonstrando, assim, uma negligência tanto das autoridades policiais quanto do poder público.
Após a efetuação do crime juntamente com a denúncia, é relizado, na pessoa vítima de estupro, o exame de corpo de delito, com a finalidade de comprovar a violação, pesquisando a presença de lesões, como equimoses, arranhões, escoriações, e, principalmente, a presença de sêmen na pessoa. Coletas de amostras de partes do corpo, como vagina e ânus, das vítimas da violência sexual devem ser recolhidas pelo Instituto Médico Legal. Dentro dos principais achados que podem ser encontrados nesse tipo de exame, observa-se a presença de esperma na vagina da vítima como sendo uma das importantes provas de conjunção carnal. Analisando tais informações e estatísticas, nota-se que a elaboração do perfil genético contribui para a resolução de um grande número de casos envolvendo violência sexual, pois todo material que possa ser utilizado para vincular o suspeito ao fato está firmemente embasado na tecnologia molecular, tendo resultados da mais alta certificação (DUARTE et al., 2001). Desta forma, sugere-se que nos casos de crimes sexuais, as vítimas devem ser submetidas ao exame de corpo de delito e perfil genético, apresentando vestes, suabes de secreções e outros elementos no momento de realizar tal análise a fim de demonstrar a culpabilidade dos criminosos, como foi realizado no caso ocorrido no distrito de Morada Nova em Mombaça.
Considerações Finais
A violência sexual, principalmente aquela praticada contra a mulher, é uma realidade dramática tanto no Brasil quanto no mundo, configurando uma grave violação dos direitos humanos e também do Código Penal Brasil. Tendo isso em vista, este estudo de caso alerta para a importância do exame de corpo de delito, principalmente com o uso das técnicas de análises comparativas de perfis genéticos, no intuito de evitar equívocos e aplicar as devidas punições aos agressores, protegendo, assim, a população de tais crimes hediondos. Por conseguinte, voltando-se para o caso em questão, a interpretação dos dados revelou que as Frações não Espermáticas (FNE) dos swabs vaginais e retais foram positivos para a vítima e, o estudo da Fração Espermática do swab vaginal detectou a presença de materiais genéticos provenientes de ao menos outros dois indivíduos. Comparando-se esses achados com o material biológico do suspeito CAA, houve compatibilidade da possibilidade de ele ser o principal suspeito, porém, não o único. Assim, o resultado final corroborou com a hipótese principal de estupro coletivo, sendo CAA um dos criminosos.
Bibliografia
BRASIL. Decreto-Lei 12.015, de 07 de agosto de 2009.
CÓDIGO PENAL. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez.
DUARTE, Francisco.A.M.; PEREZ, Augusto.M.; PENA, Sergio.D.; DE BARROS, Margareth. P.M.; ROSSI, Elsie O. A avaliação do DNA como Prova Forense. Ribeirão Preto: FUNPEC. 2001. 283p.
BRASIL. Anuário Brasileiro de Segurança Pública: Uma década e mais de meio milhão de vítimas da violência sexual. Fórum Brasileiro de Segurança Pública. 2022. Disponível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/07/11-anuario-2022-uma-decada-e-mais-de-meio-milhao-de-vitimas-de-violencia-sexual.pdf. Acesso em: 20 de junho de 2022.
Área
Sexologia Forense
Autores
THAIS HELENA HOLANDA VIANA, DAVI ARNAUD, FERNANDA FREIRE COLLYER CORREIA, VITÓRIA BEZERRA DE ALENCAR , VELKO VERAS PEREIRA DE MATOS FILHO , SAMYRA MARIA VIEIRA BRASIL ROCHA